Os cientistas contam com a confiança do público e, por isso, a recente onda de falsas notícias não deve impedi-los de se comunicar, afirma Fiona Fox, CEO do Science Media Centre.
Lamento ver que a Jenny Rohn, na sua última peça para o blogue de ciência do The Guardian, tenha manifestado a opinião de que estava iludida e que, de facto, não é possível combater as falsas notícias através da comunicação de ciência (“I was deluded. You can’t beat fake news with science communication”). Sempre apreciei imenso as suas crónicas e partilhei, muitas vezes, os seus trabalhos. Mas não posso, agora, concordar com a sua cantiga do patinho feio.
Jenny Rohn usa o seu mais recente post para se questionar se os seus sete anos a escrever para blogues de ciência fizeram alguma diferença no que diz respeito às atitudes do público face à ciência e conclui que, provavelmente, tal não aconteceu. O seu desespero segue uma tendência cada vez mais familiar na ciência: a de que na nossa sociedade de “pós-verdade” ninguém está realmente disposto a ouvir comunicadores de ciência que negoceiam fatos e evidências. Ao invés disso, as massas são escravizadas pelo que Rohn chama de “campo do inimigo”, ou seja, a brigada anti-ciência que, lamentavelmente, também pegou na caneta e a usa, atualmente, para vender perigosas mentiras.
Em tempos cada vez mais polarizados, como aqueles em que vivemos, questiono a sensatez de agrupar os críticos de ciência, todos juntos, num “campo do inimigo”. Os opositores à ciência surgem sob muitas formas e feitios, tal como as suas motivações, o formato e a qualidade dos seus argumentos. Questiono-me, também, se chamar-lhes nomes é a melhor forma de os conquistar. Jenny Rohn fala-nos de “fascistas, charlatões e propagandistas”, cujas mentiras são twittadas por “racistas e malucos”.
A principal certeza que eu questiono é a que defende Jenny Rohn de que, hoje em dia, ninguém ouve os cientistas. Como diz Carl Sagan, “afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”, e, com certeza, Jenny Rohn é uma escritora que baseia a sua comunicação em factos. Então, onde está a prova de que o público compra mentiras em troca da verdade da ciência? Porque motivo é este o ponto de partida de muitos debates sobre pós-verdade e notícias falsas?
Permitam-me que vos assegure que o público é mais exigente. Os últimos índices de confiança mostram, uma vez mais, que os cientistas permanecem no topo da lista como os profissionais em que o público mais confia, com 83% de confiança pública (comparados com apenas 17% de confiança nos políticos). Imediatamente após a infame acusação de Michael Gove, político britânico do Partido Conservador, que garantiu que o público está repleto de especialistas, o Institute for Government publicou uma sondagem que revela que 85% das pessoas desejariam que os políticos consultassem profissionais e especialistas no momento de tomar decisões difícieis, contra 83% que acredita que o governo deve tomar decisões baseado em evidências objetivas.
Se nos focarmos em questões específicas é difícil acreditar por que razão algumas pessoas são tão inflexíveis em admitir que a audiência está a absorver cegamente mentiras ao invés de factos. Repare-se que, de facto, embora alguns países tenham, efetivamente, tido grandes problemas com a questão da vacinação, originados pelos tipos de campanha anti-científica de que fala Jenny Rohn, a verdade é que, no Reino Unido, as taxas de vacinação têm recuperado progressivamente, ainda que em paralelo com o ruído anti-vacinação que se tem feito sentir através das redes sociais.
Não estou a dizer que não existe um problema. O Science Media Center existe para combater reportagens enganosas no campo da ciência e estamos aqui para fazer o nosso trabalho, como sempre. Mas, na verdade, acho que estamos a viver algo muito mais complexo do que o cenário negro augurado por Jenny Rohn.
Alguns, encaminhar-me-ão, com certeza, para a prova de que, sob o viés cognitivo, e de acordo com um elevado número de estudos, amplamente citados, os factos parecem não fazer grande diferença para aqueles que têm nas mãos o poder de decidir. Pior ainda, alguns estudos mostram mesmo que a nobre procura por “desmascarar factos” pode até tornar as coisas piores, despoletando o chamado “efeito boomerang”. Mas, mesmo neste campo, começam agora a surgir algumas interessantes discussões entre cientistas sociais questionando se estas descobertas não foram, de certo modo, exageradas.
A conclusão provisória a que chega Jenny Rohn é a de que os comunicadores de ciência, como ela, talvez se devam retirar do espaço público e tentar mudar as coisas por meio de “canais mais particulares e direccionados”.
Espero realmente que ela não decida fazê-lo. As duas últimas décadas conheceram uma mudança sem precedentes no que diz respeito à ciência, com cada vez mais investigadores a reconhecer o seu papel no envolvimento com a sociedade, debatendo questões fundamentais como as mudanças climáticas ou o excesso de medicação. Repetidamente, e dia-após-dia, tenho visto cientistas a desafiar o universo da desinformação sobre estes assuntos, com resultados verdadeiramente notáveis.
Somos abordados, diariamente, por jornalistas que procuram os melhores especialistas para comentar determinadas matérias e determinadas notícias, e grande parte da informação que sai a público está repleta de investigadores que falam sobre as suas descobertas e sobre as suas experiências. Jenny Rohn pode sentir que os cientistas e os comunicadores de ciência não ganham todas as batalhas, e eu sou a primeira a ter de concordar com isso, mas um mundo onde os cientistas se ausentam do debate é, sem dúvida, um mundo diferente e todos nós ficaríamos mais pobres com isso.
Ninguém disse que isto seria fácil – e estou receptiva à afirmação de Jenny Rohn quando diz que as coisas estão a ficar mais difíceis. Mas essa é mais uma razão para que os cientistas fiquem e continuem o seu trabalho. Até porque agora seria o pior momento para voltarem às suas torres de marfim.
Créditos: Fiona Fox (The Guardian)
Tradução: CBMR