Recentes estudos realizados em humanos e em modelos animais sugerem que as vivências e experiências do pai, tais como a sua dieta alimentar e o stress, podem influenciar a saúde e desenvolvimento dos seus descendentes. De que forma isto tem efeitos de geração em geração, permanece, ainda, um mistério.
O laboratório coordenado por Susan Strome, na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, nos Estados Unidos, tem, no entanto, feito progressos constantes no sentido de desvendar o que está por detrás deste fenómeno. Usando uma pequena minhoca chamada Caenorhabditis elegans, o grupo de investigação tem vindo a mostrar de que forma determinadas marcas nos cromossomas afetam a expressão genética. Ora, essas marcas, chamadas de marcas “epigenéticas”, podem, então, ser transmitidas pelos pais para a sua futura descendência.
O último artigo científico da equipa de Susan Strome, publicado a 17 de outubro, na Nature Communications, foca-se, precisamente, na transmissão, de marcas epigenéticas através do esperma do C. elegans.
Para além de documentar a transmissão da memória epigenética através dos espermatozóides, este novo estudo mostra que a informação epigenética fornecidas por estes ao embrião é necessária e suficiente para guiar, adequadamente, o desenvolvimento das células germinativas nos descendentes (repare-se que são estas células que dão origem aos óvulos e espermatozóides).
“Decidimos olhar para o C. elegans porque consideramos que se trata de um bom modelo para fazer perguntas epigenéticas usando abordagens genéticas ainda mais poderosas”, afirma Strome, renomada professora de Biologia Molecular, Celular e do Desenvolvimento.
Note-se que, embora as alterações epigenéticas não alterem as sequências de genes do DNA, estas envolvem alterações químicas no próprio DNA ou nas histonas, proteínas através das quais o DNA é “empacotado” nos cromossomas.
Ora, assim sendo, estas alterações influenciam a expressão genética, ligando ou desligando determinados genes, em diferentes células, e em diferentes estágios de desenvolvimento.
Assim, a ideia de que as alterações epigenéticas podem causar mudanças na expressão genética, que são transmitidas de geração em geração – a chamada “herança epigenética transgeracional” – começa, agora, a ser alvo de intensa investigação científica.
Durante muitos anos pensou-se que os espermatozóides não retinham este tipo de informação e, por isso, não seriam capazes de a transmitir aos descendentes. Estes estudos comprovam, no entanto, que cerca de 10% das “embalagens” de histonas ficam retidas no esperma humano e também no esperma dos ratinhos.
“Para além disso, o local onde os cromossomas retêm as “embalagens” de histona, é precisamente em regiões importantes do DNA, nomeadamente no que toca ao desenvolvimento. Assim, estas descobertas permitem aumentar a consciência para a possibilidade do esperma poder transmitir informações epigenéticas importantes para os embriões”, assegura Susan Strome.
Embora o estudo mostre que a informação epigenética transmitida pelos espermatozóides é essencial para um desenvolvimento normal, não aborda, no entanto, diretamente, a forma como a experiência de vida do pai pode afetar a saúde dos seus descendentes. O laboratório de Susana Strome está agora a investigar esta questão através de experiências nas quais minhocas são tratadas à base de álcool e sujeitas a períodos de fome antes de se reproduzirem.
“O objetivo é analisar de que modo a “embalagem” da cromatina se altera no pai”, sugere a investigadora.
“O que quer que seja transmitido para os filhos tem que passar, primeiro, por estas células germinativas. Queremos saber que células ‘experienciam’ fatores ambientais, por exemplo, e de que modo transmitem estas informações, fazendo com que isso as altere e afete, consequentemente, os descendentes”.
Ao demonstrar a importância da informação epigenética transportada no esperma, o estudo sugere, assim, que se o ambiente vivenciado pelo pai modifica a epigenética dos cromossomas do esperma, então, isso pode afetar os seus filhos.
©Tomoko M. Tabuchi et al, Caenorhabditis elegans sperm carry a histone-based epigenetic memory of both spermatogenesis and oogenesis, Nature Communications (2018). DOI: 10.1038/s41467-018-06236-8
Journal reference: Nature Communications
Provided by: University of California – Santa Cruz