Sunday, December 22, 2024
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Reportagem | Isa Mestre

 

Conheça a história do investigador que escapou, por pouco, à morte nos atentados de Londres, assistiu, de perto, à eleição de Barack Obama como primeiro presidente negro dos Estados Unidos, e trabalha hoje com grandes sequências de ADN para tentar controlar perigosas bactérias em ambiente hospitalar. Eis Pedro Oliveira. O português que descobriu um gene que, se eliminado, retira à bactéria Clostridium difficile a sua capacidade de infectar o Ser Humano.  

 

Da janela do Mount Sinai Hospital, em Nova Iorque, Pedro Oliveira regressa, todos os dias, a Portugal. Na memória, confessa-nos, «essa imagem da Ponte 25 de Abril, aquele pôr do sol…».

 

Após 7 anos de resiliência para manter-se como investigador em terras lusas, o cientista, que hoje trabalha num hospital americano e se afirma como uma referência na investigação em genómica a nível internacional, conta-nos que chegou o dia em que, simplesmente, percebeu que o país que o formara e que o vira crescer não seria capaz de oferecer-lhe a realização pessoal e profissional que tanto ambicionara.

 

«Costumo dizer que comecei a aprender as coisas más da vida um pouco tarde demais, tinha de ter aberto os olhos mais cedo». Hoje, de Portugal, guarda sobretudo a saudade, mas não esquece o amargo sabor da desilusão:  «Via pessoas que tinham menos curriculum do que eu, que tinham menos experiência, que se esforçavam menos, que tinham menos amor à camisola, ascenderem a posições permanentes…foi aí que pensei ‘este sítio não é para mim, vou-me embora’.»

 

Assim fez. Licenciado em Engenharia Biológica e Doutorado em Biotecnologia, pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, Pedro Oliveira fez as malas e seguiu as pisadas de milhares de outros jovens que, respondendo ao apelo de um Governo que os incentivou a emigrar e a sair da sua zona de conforto, decidiram procurar no estrangeiro a aprovação e o reconhecimento para construir uma carreira de futuro.

Depois de ter passado um ano em Londres, no University College London, surgiu a oportunidade de ir para Boston onde, no MIT (Massachusetts Institute of Technology), deu seguimento à sua investigação em alterações genéticas do ADN e começou, como nos conta, a trabalhar numa área que, atualmente, «está muito na moda, e que se chama edição genética».

 

Se na bagagem de ida levara o peso da decepção, para Portugal, Pedro Oliveira tencionava transportar muito mais do que isso:

«Queria aprender o máximo possível e trazer para o meu país um pouco do know-how destas técnicas de edição de genomas.»

Para isso teve acesso a centenas de isolados clínicos de pacientes infectados e sequenciou, um a um, cada um destes genomas para perceber, através da técnica de SMRT Sequencing, todas as modificações que o ADN sofreu.

 

A conclusão, essa, chegou muitos meses depois:

«O que verificámos, sequenciando estas várias centenas de genomas, foi que havia um gene cuja função era, precisamente, a de provocar estas modificações no ADN. Verificámos que, se eliminarmos este gene, a bactéria perde, praticamente, a sua capacidade de se transmitir ao Ser Humano».

A descoberta ecoa já por toda a comunidade científica prometendo, em breve, ter implicações e aplicações na própria área médica. Como nos confessa o cientista português «trabalhamos 365 dias por ano…um ano, dois anos, três anos…até conseguir ter aquele artigo publicado, aquele que tanto queremos. Desses anos todos, 99% é frustração, é desânimo, é desilusão, é tristeza, é raiva…e, depois, temos dois ou três dias durante o ano em que temos aquela alegria, aquele êxtase de estar a ver pela primeira vez uma coisa que percebemos, naquele momento, que ainda mais ninguém viu, e que pode ter um impacto grande na sociedade. E são esses dois, três dias de felicidade que valem a pena. É por eles que me levanto todos os dias».

 

Foi por eles que deixou Portugal, foi por eles que, em 2013, rumou a França, ao Institut Pasteur, para decidir investir «a sério» na área da computação. Para trás ficava a família, o país onde sonhara construir futuro. À frente, mesmo que sem saber, esperavam-no três anos repletos de novas conquistas. Numa Paris cosmopolita mas ‘teimosa’ Pedro enfrentou o desafio de aprender a língua, conheceu a sua futura esposa e, em apenas 36 meses, assistiu ao nascimento da sua filha.

 

«Quando ela tinha 2 meses, mudámo-nos para Nova Iorque, onde continuei a trabalhar em computação, desta feita, aplicada à epigenética e a tudo aquilo que faço hoje».

 

Quando lhe perguntamos qual a sua maior conquista, Pedro, reservado e humilde, deixa de lado a Ciência para confessar que talvez a maior conquista tenha sido:

«A ausência da família, a capacidade de estar longe, a preserverança por não ter desistido. Ter abandonado o meu país e aprender a viver, em permanência, com essa distância que me continua a doer. O estar permanentemente longe».

Nos Estados Unidos, e a milhares de quilómetros de casa, Pedro Oliveira conta-nos que sentiu, pela primeira vez, o embate com uma realidade completamente diferente: «Quando estive em Boston, no MIT, a primeira pergunta que me fizeram quando cheguei – ao invés de me perguntarem de onde era, o que fazia… – foi em que revistas tinha publicado. Quando respondi a pessoa virou-me costas e foi-se embora. Nesse momento percebi  que não era uma pessoa interessante para eles e que não trazia nada verdadeiramente exclusivo para obter a sua atenção. Passei um mau bocado até conseguir convencer algumas pessoas à minha volta de que tinha uma boa ideia e de que, apesar de ainda não ter publicado na Nature, a minha investigação tinha pernas para andar…».

 

Hoje, com uma equipa de oito pessoas, todos eles a trabalhar em território americano, o investigador português não tem dúvidas de que conseguiu quebrar algumas barreiras: «Sempre vivi de corpo e alma tudo aquilo que estava a investigar, mas, com este projeto é diferente, consigo ver-lhe uma aplicabilidade mais rápida e mais imediata». O próximo passo, esse, está para breve e passa pela transferência deste conhecimento e desta investigação para as farmacêuticas.

Filho de um técnico de artes gráficas e de uma cabeleireira, Pedro Oliveira, cedo percebeu que o futuro se escreveria pelas páginas da ciência. Embora o pai quisesse que fosse médico, e Pedro, durante anos, tivesse alinhado com a ideia, dentro de si crescia, como nos conta, outra vontade: «À medida que fui crescendo, na minha infância e pré-adolescência, fui percebendo que, na verdade, não queria ser médico…não porque achasse que, eventualmente, não teria capacidade para isso, mas porque não gostava de ver as pessoas sofrer e sofria imenso com isso. Portanto, uma pessoa que não pode ver as outras pessoas sofrer não pode ser médico. Embora tivesse média suficiente para isso não quis ir porque não conseguia, nunca seria um bom médico e seria profundamente infeliz».

 

Não andaria longe da medicina, nem dos hospitais, mas trabalharia do outro lado da trincheira. Do laboratório para o mundo, Pedro Oliveira concretizaria o sonho da criança que ia para a cozinha e «desatava a misturar tudo o que por lá havia».

 

Do sol de Lisboa para o frenesim de Manhattan foram necessários apenas 4 anos para consolidar-se como cientista sénior numa das escolas de medicina mais prestigiadas do mundo. Para trás ficaram centenas de horas no laboratório, momentos que Pedro, garante, nunca vai esquecer.

Na memória, bem marcado, guarda também aquele 7 de julho de 2005, dia em que, como nos conta, escapou à morte apenas por alguns minutos. Na altura a trabalhar como assistente de investigação no University College London, Pedro Oliveira lembra-se bem da primeira vaga de atentados que, em solo britânico, tirou a vida a mais de 50 pessoas:

«O autocarro que explodiu era o autocarro que eu apanhava todos os dias, à mesma hora, e para o mesmo local. E naquele dia, atrasei-me. Quando vi a notícia fiquei em choque. Acordei, no dia seguinte, num novo cenário. Era uma Londres completamente mudada.»

Sobreviveria para contar a história, para nos assegurar que «quando se está fora, se sente um pouco mais as coisas que vão acontecendo nas sociedades que nos rodeiam».

 

Se em Londres viveu um dos momentos mais dramáticos da sua vida, em Boston, em contrapartida, teve o privilégio de sentir, em 2009, em primeira mão, «toda aquela emoção de se eleger o primeiro Presidente negro na história dos Estados Unidos».

 

Em França, sete anos mais tarde, veria Portugal sagrar-se campeão europeu, e finalmente, nos Estados Unidos, assistiria, perplexo, à eleição de Donald Trump, perguntando-se, como nos relata, como iria explicar à filha «como é possível eleger uma pessoa daquelas».

 

Garante que, por todos os locais por onde passou, aconteceram «coisas boas e coisas menos boas», mas, no seu íntimo traz uma certeza: «Acredito que temos muito boa matéria-prima em Portugal, temos uma excelente ‘escola’, temos professores muito bons e altamente qualificados, desde as primárias às universidades. Não senti, em momento nenhum do meu percurso, que estivesse num patamar inferior, em instituições de topo, quando comparado a outras pessoas que tinham sido formadas por essas instituições».

Pelo caminho, Pedro Oliveira lamenta apenas que o país não tenha conseguido dar-lhe as oportunidades, a valorização e a estabilidade necessárias para desenvolver a sua carreira científica em solo português: «Temos de ter uma verdadeira carreira de investigador científico. Porque, até agora, encaram o investigador como mão-de-obra barata, descartável, subalterna e inferior».

 

Para que Portugal possa equiparar-se a outros países da Europa, como a França, a Alemanha e a Holanda, Pedro Oliveira, assegura que «há coisas que têm de mudar» e que, para isso, não se pode deixar passar o comboio da inovação.

 

«Grande parte das profissões que temos hoje vão deixar de existir e outras novas vão surgir. Essas vão basear-se muito na computação, na inteligência artificial em em conceitos que, em Portugal, estão ainda muito pouco desenvolvidos». É preciso que o país se adapte às novas realidades, conclui.

 

Com a imagem da ponte 25 de abril, despedimo-nos. O Pedro está longe. Nós estamos mais perto. Mas a liberdade de ter ganho asas e construir futuro, essa, ninguém lha tira. Só assim é possível que, mesmo a milhares de quilómetros de distância, da janela do Mount Sinai Hospital,  seja possível regressar, todos os dias, ao país que o viu nascer.

Pedro Oliveira é atualmente investigador sénior na Mount Sinai School of Medicina, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

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